29.12.06

Bienallis ou "Como? Viver Junto?"



E lá se foi mais uma Bienal. A cada edição é a mesma coisa: surgem discussões e polêmicas inevitáveis, seja a partir do tema da mostra [estupidamente obrigatório, a meu ver], seja em torno da consistência do projeto curatorial, ou mesmo da museografia do evento. Eventualmente até se fala dos trabalhos... E esta edição de 2006 não fugiu à regra, naturalmente. Este ano, contudo, houve algumas novidades: pela primeira vez ocorreu algo próximo de um processo seletivo para o cargo de curador da mostra, que, embora pudesse ter apresentado mais transparência em seus critérios, não deixa de ser um avanço em relação ao [não]modelo anterior.
As idiossincrasias em questão tenderam a se concentrar no discurso curatorial de Lisette Lagnado e sua proposta, "Como viver junto", alegadamente [e vagamente] amparada em conceitos de [seminários de] Roland Barthes e da algo inefável "plataforma para a vida", de Hélio Oiticica, e em sua tradução na exposição. Aí começam os problemas, e olha que ainda não estamos falando da exposição em si.
Se reclamava-se, em bienais recentes, de uma lacuna conceitual ou 'falta de coerência' nas curadorias, disso não se pode queixar no que toca à 27ª: a exposição em si traduz ostensivamente o corpus teórico que teria impulsionado e conformado a proposta. Ou melhor dizendo: a título de justificar, ou apresentar o mote que embasa a curadoria, francamente amparado na boa e velha dicotomia "arte e vida", agora supostamente "atualizada" via estética relacional e escultura social [não assumidamente nestes termos, ainda que a meu ver bastante sintéticos do que se desenrolou na Bienal], a sensação que se têm é que a montagem se converte numa tentativa - em alguns momentos esquizofrênica - de ilustrar o tal conceito, tornando árdua a experiência de apreciação da mostra. Uma Bienal árida, do ponto de vista da fruição estética. E não me refiro à "fruição estética" nos termos saudosistas ou "affonsoromanosantanistas" de uma "busca pelo belo", ou da promessa de epifanias geradas pela experiência do sublime [afinal, estamos falando de arte contemporânea]: apenas constato a ausência de trabalhos que pudessem ser apreciados, ou experimentados, por instâncias da ordem singela do "prazer para os olhos". Até porque, afinal de contas, a Bienal também é um "evento para as massas", sobretudo depois da recente gratuidade no ingresso, e poderia-se minimizar a frustração do público que procura essa experiência sem comprometer o projeto teórico que respalda o evento. Sei que essa observação soa em alguma medida pueril e conservadora, mas...afinal, pra que ficar cobrando esse tipo de qualidade de obra s numa Bienal tão cheia de trabalhos plenos de boas intenções, não é mesmo?
O que nos leva a um segundo problema. Por trás da propalada "plataforma para a vida" de Oiticica, que nortearia o projeto [anti]estético da mostra, e que tal como ali apresentada a mim evoca mais a já referida escultura social de Beuys que os interstícios entre a experiência da arte e a esfera da vida que boa parte da obra de Hélio buscava, é nítido o investimento em uma linha curatorial que exalta a "função social da arte". Muito em voga na atualidade, ainda que com os contornos imprecisos, ou no mínimo "alargados", que seu próprio enunciado incute, essa vertente - se podemos assim chamá-la - ganhou um novo alento a partir de conceitos e plataformas teóricas como a Estética Relacional, tal como cunhada pelo francês Nicholas Bourriaud, se referindo a um modelo de prática artística que grosso modo valorizaria a construção de estruturas ambientais e sistêmicas baseadas em um relacionamento interpessoal alternativo, "conjugando subjetividades individuais na geração de significados coletivos". Em termos práticos, os trabalhos que melhor traduziriam esse conceito na 27ª Bienal são os mesmos que nos fazem pensar nas tais "boas intenções".
Obras ou proposições imbuídos dos melhores propósitos assistencialista-humanitários [sejam estes conformados a partir de discursos mais convocatórios a ações de cunho ativista-libertário -"transformadores"- ou de denúncia como por abordagens mais, digamos, suaves, de matizes 'sócio-antropológicos' - evidenciado em 90% da fotografia exibida no evento e na forte presença de projetos envolvendo elementos arquiteturais], e que em função deste aspecto se apresentam ao público como que pré-investidas de uma aura protetora, um "verniz" que inclusive as impermeabiliza de qualquer crítica. Seria o caso do projeto Eloisa Cartonera ["mas é arte ou criação de frentes de trabalho?"], do lamentável "trabalho" perpetrado a partir das atividades do misto de grife e ONG [bacana] carioca Daspu, os pratos 'coloridos-interativos' do Antoní Miralda, bem como das obras de Rirkrit Tiravanija e Minerva Cuevas, dentre outros. E, bem, como isso já se estendeu em demasia,talvez seja o caso de abrir outro tópico para tentar concluir mais apropriadamente a questão 27ª Bienal...[continua?]







5 comentários:

[Fernando M.C.] disse...

cadê o resto do "[continua]"...?!

Anônimo disse...

...era pra ser "continua um dia desses".

Anônimo disse...

continua aí cara!

ana lucia vilela disse...

Concordo com as suas colocações. Inclusive acho que Oiticica teria revirado os olhos em horror ao politicamente correto desta bienal. Arte só faz boa política quando faz ótima arte.

Anônimo disse...

Sabe o que realmente decepcionou? Não acho que seja a presença do político, pois toda a nossa classe artística alienada em seus ateliês refrigerados precisa acordar de vez para o mundo, se os gringos já acordaram, por que nós do Brasilzão selvagem e assassino e da maior desigualdade social do mundo não vamos acordar? O que realmente decepcionou foi a falta e não a presença de estética relacional. Onde estavam os relacionamentos? Onde estavam as trocas? Onde houve interstício (nas palavras de Bourriaud)? Toda esta arte é meio que uma criação de performance, de colaboração, com o presencial do artista. Tudo que eu vi foi registro, não a própria obra ali, sendo realizada, como um jantar tailandês do Rikrit, é o que me pareceu.