20.7.10

Ruído manso


RUÍSO MANSO


Recentemente foi anunciado que a 29ª Bienal de São Paulo, a se realizar ainda este ano, irá incorporar um grupo de pixadores como participantes oficiais do evento. O fato imediatamente provocou acirradas discussões, como não podia deixar de ser.

Ainda que não se saiba bem em que termos se dará esta participação, tal anúncio não deixa de dar o que pensar. O curador-geral da mostra, Moacir dos Anjos, demonstrou equilíbrio e cautela, ao comentar as razões do convite – que curiosamente se originou a partir de um contato prévio por parte dos pixadores [!], e aliás os mesmos que teriam protagonizado episódio polêmico [bem, talvez menos do que efetivamente foi] ocorrido na edição anterior da Bienal, quando uma pequena turba munida de sprays investiu de modo tão “ousado” quanto anódino contra a estrutura vazia do primeiro andar da Bienal que acabava de inaugurar.

Após frisar que essa iniciativa não possui qualquer caráter “reparador” simbólico em relação ao referido incidente, e que tampouco busca criar instâncias de amortecimento dessa linguagem visual urbana, Moacir enunciou os motivos e interesses que teriam gerado tal aproximação por parte da curadoria. O mote “arte e política”, que dará o tom desta edição da mostra, comporta acepções alargadas que assim poderiam abarcar o pixo. Sobretudo na medida em que este se afigura como linguagem transgressora alinhada à chave do “desentendimento” tal como postulado por Jacques Rancière, com que o curador se identifica, além de onipresente, enquanto fato visual da metrópole. Soa plausível, embora vago.

Os pontos que me chamam a atenção são: o que leva um grupo de pixadores a procurar a instituição Bienal, em primeiro lugar? Um clamor por certo estatuto de artisticidade para sua prática, atraído pelos passos do graffiti, linguagem meio-irmã mas de orientação diversa e hoje com desvairada aceitação comercial, inclusive no circuito da arte? Mera estratégia de promoção pessoal dos envolvidos, talvez um atalho para a visibilidade, mesmo que signifique um desvio completo de sua pulsão primordial? E mesmo sob um entendimento alargado da relação arte X política e do poder legitimatório quase automático que a transposição para um contexto artístico confere a um objeto ou prática mundana, como sabemos; ainda assim, cabe de fato chamar a pixação de “arte”, como sustenta a curadoria desta Bienal?

E finalmente: será realmente possível haver alguma instância de intercâmbio entre as partes sem que se domestique ou comprometa a potência por parte do pixo [e mesmo seu sentido, quando deslocada do contexto natural, com sua agressiva função demarcatório-territorial original, sua codificação e tipologia características], e que se evite simultaneamente uma impressão ou saldo final de tons meramente demagógicos ou populistas, por parte da organização da Bienal? Resta aguardar o empenho da curadoria "em descobrir formas de tratar do assunto com integridade de ambas as partes, sem que instituição e pixadores cedam completamente ao universo da outra", nas palavras de Moacir dos Anjos. A sugestão de um meio-termo não é lá muito animadora.

31.5.09

c o n t i n [g] e n t e


Curadoria que abri semana passada no Centro Cultural Arquipélago, em Floripa. Lanço o texto abaixo.



De Insularismos e Contingências


continente

1. Parte continental de uma região em relação a outra que é insular; território vastíssimo cercado por águas oceânicas (geog.)

2. Que contém ou encerra alguma coisa (opõe-se a conteúdo)

3. Unido em uma só peça, contínuo; contíguo


contingência / contingencial

1. Fato que não é previsível ou sobre cuja ocorrência não há certeza, que depende de circunstâncias não de todo controláveis

2. Diz-se das coisas e dos acontecimentos que não têm em si a sua razão de ser, pois se concebem como podendo ser ou não ser (Fil.)

3. Diz-se de uma expressão verbal ou simbólica cuja verdade ou falsidade só pode ser conhecida pela experiência (Lóg.)

4. Conjunto de pessoas formado para executar determinada tarefa.

5. Diz-se de evento natural ou humano que se caracteriza por sua absoluta indeterminação e imprevisibilidade (filosofia)

6. Quantidade máxima de um produto que pode ser exportada ou importada por um país num determinado período (comércio, economia)


gente

1. O gênero humano

2. Conjunto dos habitantes de um país, região, estado etc.

3. Quantidade indeterminada de pessoas

[fontes: dicionários Caldas Aulete e Houaiss]



Situação: convite para conceber e realizar mostra no Centro Cultural Arquipélago com uma única imposição na premissa aberta – a de incluir apenas artistas do estado de Santa Catarina.

O que poderia soar como restritivo acaba por se revelar um fator estimulante: oportunidade única para uma experiência de imersão numa produção de qualidade, mas de modo geral sem tanta visibilidade fora do circuito local. Do material que pude avaliar para definir a seleção que compõe essa exposição, chamou-me a atenção a proporção de trabalhos consistentes e percursos poéticos bem definidos, no que me pareceu uma amostragem razoavelmente representativa da cena contemporânea catarinense.


Sem um norte curatorial estabelecido a priori, dado o contexto incerto e meu conhecimento limitado da produção do estado, preferi aguardar que os trabalhos falassem por si e desenvolver um mote a partir deste conjunto. No processo de analisar, em muitos casos pela primeira vez, o material que me foi disponibilizado de artistas de Blumenau, Joinville, Tubarão e Florianópolis, fui tomado por algumas inquietações [1]. Mas a mais notável foi sem dúvida perceber a convergência de um referencial temático em grande parte da produção que me chamou a atenção: a referência marcante da paisagem e/ou da natureza. Seja como assunto, tema avulso, comentário, recurso formal ou acessório conceitual, tal presença se fez impor de um modo inesperado – para minhas expectativas - mas incisivo, e frente à qual não pude permanecer impávido.


Os trabalhos, escolhidos por critérios de afinidade e qualidade subjetivos — como não poderia deixar de ser — me forçaram então a assimilar esse dado. E embora não pensasse de antemão em incorporar a natureza ou a paisagem como eixo temático — até por esse assunto já estar sendo exaustivamente retomado na agenda curatorial do grande circuito da arte de alguns anos para cá —, por outro lado não pude fechar os olhos a este fato. Assim, a incidência de panoramas, mares, águas, céus, horizontes e cartografias trabalhados em procedimentos e meios diversos se afigura espontaneamente — ou naturalmente, com o perdão do trocadilho como um elemento aglutinador das obras nesta exposição. A tal ponto que sua presença é mesmo indisfarçável enquanto eixo de força da mesma, por mais que a abordagem curatorial em princípio relutasse em assumi-lo inteiramente enquanto tal.



Não me furto a arriscar algumas possíveis considerações, "estrangeiro" que sou neste contexto, a propósito desta recorrência "paisagística". Por um lado, ela obviamente passa em parte pelo dado geográfico: a capital catarinense situa-se numa ilha, afinal de contas, e a força deste repertório visual alimentando o imaginário criativo coletivo é natural. Falar do seu lugar, ou do que ele fala a si, é prática quase inevitável como motor de uma poética. Mas percebe-se também um outro “insularismo” em jogo, este mais simbólico, no tocante à produção artística; um que é determinado por fatores extra-topográficos, e se estende para todo o estado, o "continente". Não há como abstrair o fato de se tratar de um contexto marcado pela falta de políticas culturais efetivas para as artes visuais, bem como a presença ainda incipiente – quando não nula – de um mercado específico para arte contemporânea, especialmente na capital. Galerias, escritórios de arte e afins são sempre um fator de peso para se mensurar a real demanda de uma produção, além de naturalmente se constituir num importante mecanismo de difusão desta. Assim, tem-se uma cena razoavelmente ativa e articulada, com produção de alto nível mas que de modo geral ainda se ressente de conquistar visibilidade à altura de seu potencial para além do âmbito estadual. Nesta dinâmica em que convergem a adversidade, a consciência da mesma, pulsão criativa e espírito mobilizatório por parte dos artistas – agora falando sobretudo a partir do contexto de Florianópolis, que conheço melhor – se instala um estado de coisas em que a meu ver a paisagem/entorno se afigura até de maneira involuntária como indício desta mesma adversidade. Ainda que de um modo oblíquo, pode ser a um só tempo uma forma de falar do seu lugar e da falta de lugares[2].

Digressões à parte, é portanto desta forma expandida, de acepção aberta e filtrada pela livre-associação, que interessa tratar do aspecto insular como pulsão curatorial desta mostra; e por este viés o estado como um todo, o "continente", acaba sendo também abarcado. E foi a partir de continentes — contidos e que contém -, conteúdos e saborosas contingências que se constituiu o escopo que esta mostra apresenta como resultado final. Para não mencionar o aspecto mais importante, que acaba invariavelmente sendo "gente".


Guy Amado - maio de 2009


1] Curiosamente, após a seleção que definiu o conjunto final de trabalhos, me dei conta de uma peculiaridade: a total ausência de pinturas no grupo que integraria a curadoria. Apesar de haver dois ou três casos de artistas pintores/as no material que analisei, pareceu-me uma amostragem baixa. Constatei tal fato com certo pesar, já que me agradaria ver essa modalidade representada na mostra. Em conversas posteriores com artistas locais constatei que tal rarefação da prática pictórica parece ser um fato mais ou menos percebido embora pouco comentado, com possíveis explicações que não caberiam discutir aqui.


[2] Nesse sentido, a propósito de "lugares", faz-se mais que necessário mencionar a importância da universidade no cenário artística de Florianópolis; a UDESC desempenha papel vital neste cenário, tornando-se um dos principais elementos catalisadores desta cena.



19.3.09

De carros, morte e sublime

Last night I drove a car
Not knowing how to drive
Not owning a car
I drove and knocked down
people I loved
...went 120 through one town.
[G. Corso]


I believe in the beauty of the car crash, in the peace of the submerged forest, in the elegance of automobile graveyards, in the poetry of abandoned hotels. [J. G. Ballard]

24.2.09

Brasil[idade] na Bienal de Veneza 2009

Diz a matéria*: "Dois artistas de fora do eixo Rio-São Paulo foram os escolhidos pelo curador Ivo Mesquita para representar o Brasil na Bienal de Veneza, programada para ser aberta ao público no dia 7 de junho [de 2009]: o fotógrafo paraense Luiz Braga e o pintor alagoano Delson Uchôa. Mesquita, curador da polêmica 28ª Bienal de São Paulo, encerrada em dezembro, confirmou, ontem, à Folha, sua seleção".

Braga é um fotógrafo muito influente e uma referência importante na cena artística de Belém e do Pará. Sua produção tem forte foco nas paisagens e tipos locais, que captura com maestria. Apesar de produzir há muito tempo, ainda não tem grande visibilidade no eixo Rio-SP, ao menos no chamado circuito da arte contemporânea - talvez inclusive por seu trabalho não ter que ser visto como tal, creio eu, aproximando-se por vezes de fotojornalismo de qualidade.

Luiz Braga

O mesmo se aplica, em outra escala, a Uchôa, pintor a meu ver excessivamente impregnado de estilemas do cânone popular e do repertório imagético de sua região - o que em princípio não é um problema -, mas aspirando há tempos a uma maior aceitação e visibilidade no já referido "circuitão". Começou a ganhar destaque com mostra no Ohtake Cultural, há alguns anos, e mais recentemente no Panorama da Arte Brasileira de 2007 e na Paralela 2008, culminando com sua entrada para o time da galeria Brito Cimino [atualmente apenas "Brito"]. Em minha opinião, contudo, ainda há certo descompasso entre o que move sua fatura, suas referências e plasticidade carregada de exotismos e comentários a um repertório regional, e sua circulação "autônoma" no meio da arte contemporânea. Mas isso é apenas uma opinião, talvez nem tão relevante, e de qualquer forma não vem ao caso agora.

Delson Uchôa

O que me chama atenção na escolha dos dois artistas, entretanto - qualidade dos trabalhos à parte, embora este quesito possa ser questionável, especialmente no que se refere a Uchôa - é uma característica eminentemente "brasileira" fortemente presente nas produção de ambos. E afirmo isso com conotação deliberadamente pejorativa, subentendendo um componente de certa "estereotipicidade tropical" que a fotografia de Braga e a pintura de Uchôa apresentam. Um clichê, mesmo. Digo, é mais que natural que ambos, nascidos em regiões de forte impacto da cultura popular e de uma natureza luxuriante incorporem estes dados locais em sua práxis artística; e certamente não estariam sozinhos nesta linha de procedimentos. Basta pensar em nomes de destaque no circuito, como Emmanoel Nassar, Marepe e Efrain Almeida, dentre outros, que logram fazer uso desse elemento regional assimilando-o e articulando-o com mais desenvoltura na constituição de uma plataforma estética autônoma em relação a leituras "regionalistas".
A questão é que, uma vez arrolados como "a dupla" a representar o Brasil no pavilhão da Bienalle, sua produção oferece, ou arrisca-se a oferecer, pelas citadas qualidades de sintetizar certo ideário "tropical" [não tenho como saber até que ponto deliberada ou involuntária, por parte dos artistas], uma leitura um tanto esquemática na linha "Brazil for export" que tanto apelo desperta no exterior e que tão pouco corresponde à real dinâmica artística em curso no país.
E aí causa estranheza a escolha de Ivo por estes nomes, sendo ele grande conhecedor da arte no país e um especialista em arte da América Latina, e até onde sei desde sempre empenhado em evitar clichês e leituras estereotipadas ou "encapsulantes" desta ordem. Valorizar a arte produzida no Brasil envolve de saída não confundi-la com o rótulo "arte brasileira" [uma abstração ou um construto de mercado, dependendo do ponto de vista], não devendo portanto passar pela reafirmação ou engrandecimento de folclorismos, exotismos ou outros "tipicismos".


Guy A.


* http://74.125.113.132/search?q=cache:U425AlCoCGQJ:www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u493468.shtml+representa%C3%A7%C3%A3o+brasileira+%22bienal+de+veneza%22&hl=pt-BR&ct=clnk&cd=1&gl=br

21.11.08

Sobre a 28ª. Bienal ou "O buraco é mais em cima" [por Guy Amado]

Pelo menos ao longo das duas últimas décadas, a cada edição da Bienal Internacional de São Paulo a situação se repete: discussões acaloradas, críticas e mesmo polêmicas afloram a partir da definição da curadoria e do mote conceitual a ser desenvolvido no evento. O próprio formato "temático" como tradicionalmente norteando nossas Bienais colabora nesse processo: afinal, verdade seja dita, quaisquer que sejam as idéias ou abordagens propostas pela curadoria, tenderão já de saída a serem atacadas. Para cada questionamento há uma expectativa a ser contemplada: representatividade nacional e internacional, coerência e/ou pertinência da proposta curatorial - e até que ponto esta se verifica ou se cumpre -, o papel da Bienal na formação do público e o estatuto da audiência no evento, etc.

Como não podia deixar de ser, desde o anúncio confirmando a realização da 28ª Bienal de São Paulo 2008, feito em final do ano passado, com Ivo Mesquita aceitando encampar a empreitada com pouca verba e menos de um ano para realizá-la, muito se especulou a respeito. Sob o mote "Em vivo contato", a plataforma curatorial de Ivo pautou-se prioritariamente em oferecer uma reflexão sobre a propalada "crise" do modelo bienais de arte como um todo, bem como propor um debate acerca da Bienal de São Paulo em si, visando fazer com que esta "reencontre sua especificidade" e a "coloque novamente 'em vivo contato' com seu tempo" [seja lá o que isso signifique]. Para tal, seu projeto prevê não apenas a situação expositiva - ostensivamente árida, ou amortecida, em relação às anteriores, mesmo à última - mas ainda diversos outros produtos: ciclos de conferências e mesas-redondas, eventos musicais/performáticos, uma publicação regular em formato de jornal popular de grande circulação, além do "núcleo biblioteca" instalado no 3º. piso. Todos buscando expandir os horizontes de reflexão em torno do evento; sua vocação, estatuto atual e perspectivas de continuidade.

Assim que veio a público a proposta de manter um ou mais pavimentos do prédio sem obras de arte, num gesto de tensionamento simbólico daquele local [de sua história, importância ao longo do tempo e sobretudo, quero acreditar, das condições atuais de funcionamento], iniciou-se uma série de pseudo-querelas, com artistas, teóricos e outros agentes do meio disparando uma saraivada de críticas em torno de um projeto do qual pouco se sabia. Ou se podia "visualizar". A maior parte da indignação mirou o anunciado "vazio" de forma francamente superficial, numa onda de protestos cuja tônica se mantinha não raro no nível de um ressentimento algo corporativista e provinciano, na linha do "que absurdo, um andar da Bienal ficar vazio com tantos artistas de qualidade que poderiam estar ali". E me refiro a personagens de renome do meio artístico, que chegaram a elaborar ou endossar manifestos e abaixo-assinados eletrônicos em repúdio ao projeto de Ivo [o que aliás me leva a indagar por que não se vê tanta energia e potencial mobilizatório, nesse meio, canalizado para propor ações e protestos similares tão ou mais urgentes, como é o caso do Masp, o maior museu da América Latina e "semi-abandonado em público" há tempos. Mas essa é outra questão].


O vazio

Poucos se dispuseram a perceber e discutir – e problematizar - em profundidade o potencial simbólico embutido na proposta, a saber a expectativa de que a instauração do referido "vazio" naquele prédio e naquele contexto pudesse, ou possa, gerar uma reflexão efetiva acerca da instituição Fundação Bienal, esse sim possivelmente o maior vazio a ser ali questionado. O segundo pavimento está de fato desocupado, ou expondo sua "planta livre", para adotar a terminologia do vocabulário arquitetônico modernista recuperada aparentemente em cima da hora pela curadoria. Um "vazio" que, diga-se de passagem, não é nem pode ser "obra de arte"; apesar de se afirmar como um gesto autoral, mesmo "autoritário" para uns, da curadoria, não está ali para ser lido como instalação artística.

Mas para além da, digamos, experiência de "fisicalidade alternativa" ou do impacto visual que o ato de imersão neste vazio possa realmente suscitar, é sua potência metafórica o fator a supostamente ser destacado, apontando para um outro vazio, e que os mais dispostos e informados podem localizar logo acima, no terceiro piso. E não na área expositiva [de desenho museográfico especialmente árido nessa edição, o que sem dúvida foi planejado e deve se afinar ao projeto curatorial; mas que por outro lado compromete, ou "achata" excessivamente o corpo-a-corpo com os trabalhos. Se essa solução estabelece uma espécie de des-hierarquização visual entre obras e artistas, também determina certo desconforto nas relações espaciais entre os mesmos], mas nas dependências usadas pela presidência e conselho que administram a Fundação Bienal. Uma administração que vem se provando seguidamente ineficaz em apresentar algo próximo de um programa de gestão efetivo e seqüenciado, que impeça que a cada edição do evento tenha que se reinventar a roda para garantir sua subsistência e a realização da próxima Bienal. Uma administração cujo conselho deliberativo, não custa lembrar, por muito pouco não reelegeu Edemar Cid Ferreira para seus quadros quando este estava na cadeia, em sua infelizmente breve temporada sob custódia do Estado em 2006, respondendo a uma lista de acusações que tomariam o resto do parágrafo. Chega a ser incompreensível, além de deprimente, que aquela que se gosta de considerar "a segunda mais importante Bienal de arte do mundo" [abstraindo todo o relativismo que esse epíteto possa implicar na atualidade] tenha sua sobrevida perpetuada a partir de uma dinâmica tão precária, marcada pelo improviso, parcerias institucionais episódicas e acordos políticos emergenciais para obtenção de verba.

Uma leitura mais adequada do esvaziamento ou não-ocupação do segundo piso talvez fosse assim a de uma suspensão. E não a suspensão da percepção, antes pelo contrário: é a partir da ausência de quaisquer 'estímulos visuais' convencionais alheios à arquitetura nua num evento do tipo [a saber, trabalhos de arte] que se pode talvez enxergar além, ou perceber melhor a capacidade de ruído que este silêncio convoca. E aíde fato não entendo o porquê da curadoria insistir em "dourar a pílula do vazio", agregando discursos da arquitetura e de uma "experiência de imersão" àquele vazio, ao invés de deixar que este fale por si.

O que é de se lamentar em boa parte do que se vê de ataques e críticas negativas a essa Bienal na grande mídia, por especialistas ou pessoas não tão familiarizadas com as idiossincrasias do meio da arte contemporânea, é a tônica em se questionar apenas a superfície. Ou seja, a tendência em se emitir opiniões e juízos inflamados a respeito do "vazio" ou da "aridez expositiva" sem se buscar atingir o ponto que deveria ser realmente abordado, a saber a Bienal de São Paulo em si, ou antes a Fundação por trás do evento. Pela singularidade de seu projeto curatorial, com seus méritos e defeitos [a potência do agenciamento simbólico embutido na proposta e a dificuldade em se verificar objetivamente o alcance ou o sucesso de seus postulados], esta não me parece ser uma Bienal a ser lida, analisada ou comentada na mesma chave que nos habituamos a adotar nas anteriores. Qual o sentido em se lamentar a ausência de obras no 2º andar se isso estava previsto desde a concepção do evento? Alguma "surpresa" nisso? Ou de atacar a montagem das obras expostas no terceiro piso desconsiderando a óbvia intencionalidade de unidade orgânica do projeto museográfico, certamente problemática mas igualmente planejada? Há sem dúvida diversos aspectos a serem questionados neste evento, sobretudo no que tange a certa ambivalência conceitual entre seu discurso e objetivos e possibilidades reais de consumá-los; mas, se é assim, que ao menos as pessoas se disponham a atacá-la com procedência, obrigando-se a familiarizar-se minimamente com os postulados da curadoria.


Ivo Mesquita e o vazio

Contingência X perda de potência

O que nos leva a um ponto que me parece altamente relevante: até que ponto se cumprem, ou podem se cumprir, os objetivos algo quixotescos aventados no mote curatorial? E até que ponto estes seriam passíveis de ser mensurados? Claro que em se tratando da matéria "curadoria de uma Bienal de arte contemporânea" - e não abordando diretamente a questão mercantil, cada vez mais incomodamente indissociada de eventos deste porte e perfil - não se pode falar de eficácia em termos objetivos; seria mesmo algo ingênuo supor que se pudesse ter ao alcance das mãos uma planilha de resultados nesse caso. A meu ver, um grave empecilho nesse sentido é a convergência de fatores contingenciais minando potencialmente a força de tal projeto. Ou seja, constatar que por mais legítima, pertinente e relevante seja a proposta de Ivo, esta se presta perfeitamente, gostemos ou não de admitir, a suprir as demandas "pouco tempo + pouco dinheiro" já conhecidas de antemão. E que, para efeito institucional [leia-se Fundação Bienal] e de repercussão midiática, alimenta ou reforça posturas e discursos na linha "vejam, apesar das adversidades, realizou-se/realizamos a Bienal". Tenho minhas dúvidas se essa empreitada de Ivo Mesquita – que, ressalte-se, talvez mais que ninguém neste país merecesse poder conceber e realizar uma Bienal com prazo e recursos dignos, dada sua competência e notória relação profissional e afetiva com a mesma, culminando drasticamente na Bienal que tiraram de suas mãos há alguns anos numa operação política -, para além de "pôr em xeque" a instituição, não colabora involuntariamente na perpetuação de um regime de sobrevida marcado pela inoperância de seus supostos gestores. Chego a sugerir, de modo algo pueril e pouco propositivo, que "vazio por vazio", talvez a não-realização da 28ª Bienal este ano fosse mais eficiente. Quem sabe mais um hiato de quatro anos [o último ocorreu entre 1998-2002] não estimulasse uma reflexão mais candente sobre tal vazio... realmente não sei. Por outro lado, reconheço que o debate foi lançado; aguardemos os acontecimentos, até porque o evento segue ainda em curso, com sua plataforma orgânica de estratégias e iniciativas extra-expositivas de ativação da reflexão, para verificar a real extensão de sua potência conceitual. E qualquer que esta se dê a ver, que ao menos vá além do diagnóstico, já anteriormente conhecido.

Seja como for, o vazio, ou o buraco, parece ser mais em cima.

Guy Amado

21.7.08

"Se vende-se"




Fotos da intervenção de Carmela Gross na última ARCO [uma das maiores feiras internacionais de arte contemporânea], em Madri. Um trabalho considerado "crítico" e "radical" por várias pessoas do metiér, provavelmente inclusive por ela própria. Mas...será mesmo? Crítico do que, exatamente? De um evento de natureza assumidamente comercial, voltado para o próprio meio, e do qual a artista certamente teve grande prazer em participar? C'mon...

Vídeo perdido de Duchamp

19.2.08

"Under Siege" - O outro lado da moeda

Under Siege é um game de tiro "diferente". Não exatamente original na aparência ou jogabilidade, idênticas à maioria dos populares fps [jogos de tiro em primeira pessoa], mas na premissa em ambientar sua narrativa bélica, centrada nos eternos conflitos Israel-Palestina, sob a perspectiva dos que tendem a ser sempre retratados como "vilões" em games correlatos: os palestinos.

Under Siege é centrado em eventos recentes na história da Palestina, focando as vidas de famílias palestinas entre 1999 e 2002, durante a segunda Intifada, e suas estratégias de resistência à presença opressiva do inimigo israelita em seu cotidiano. Todos os níveis do jogo são baseados em episódios reais. O conteúdo é inspirado em fatos reais ocorridos na Faixa de Gaza e outros territórios ocupados narrados por palestinos e documentados pela ONU [no período de 1978a 2004]. Uma versão demo do game pode ser baixada no link www.underash.net/en_download.htm

P.S.: Há um outro game similar, mais recente, interessante e bem mais sofisticado, "SpecialForce2" - mas esse é dificílimo de se conseguir. Deixo aqui o link para o site, ainda pouco operacional: www.specialforce2.org/english/index.htm