20.7.10

Ruído manso


RUÍSO MANSO


Recentemente foi anunciado que a 29ª Bienal de São Paulo, a se realizar ainda este ano, irá incorporar um grupo de pixadores como participantes oficiais do evento. O fato imediatamente provocou acirradas discussões, como não podia deixar de ser.

Ainda que não se saiba bem em que termos se dará esta participação, tal anúncio não deixa de dar o que pensar. O curador-geral da mostra, Moacir dos Anjos, demonstrou equilíbrio e cautela, ao comentar as razões do convite – que curiosamente se originou a partir de um contato prévio por parte dos pixadores [!], e aliás os mesmos que teriam protagonizado episódio polêmico [bem, talvez menos do que efetivamente foi] ocorrido na edição anterior da Bienal, quando uma pequena turba munida de sprays investiu de modo tão “ousado” quanto anódino contra a estrutura vazia do primeiro andar da Bienal que acabava de inaugurar.

Após frisar que essa iniciativa não possui qualquer caráter “reparador” simbólico em relação ao referido incidente, e que tampouco busca criar instâncias de amortecimento dessa linguagem visual urbana, Moacir enunciou os motivos e interesses que teriam gerado tal aproximação por parte da curadoria. O mote “arte e política”, que dará o tom desta edição da mostra, comporta acepções alargadas que assim poderiam abarcar o pixo. Sobretudo na medida em que este se afigura como linguagem transgressora alinhada à chave do “desentendimento” tal como postulado por Jacques Rancière, com que o curador se identifica, além de onipresente, enquanto fato visual da metrópole. Soa plausível, embora vago.

Os pontos que me chamam a atenção são: o que leva um grupo de pixadores a procurar a instituição Bienal, em primeiro lugar? Um clamor por certo estatuto de artisticidade para sua prática, atraído pelos passos do graffiti, linguagem meio-irmã mas de orientação diversa e hoje com desvairada aceitação comercial, inclusive no circuito da arte? Mera estratégia de promoção pessoal dos envolvidos, talvez um atalho para a visibilidade, mesmo que signifique um desvio completo de sua pulsão primordial? E mesmo sob um entendimento alargado da relação arte X política e do poder legitimatório quase automático que a transposição para um contexto artístico confere a um objeto ou prática mundana, como sabemos; ainda assim, cabe de fato chamar a pixação de “arte”, como sustenta a curadoria desta Bienal?

E finalmente: será realmente possível haver alguma instância de intercâmbio entre as partes sem que se domestique ou comprometa a potência por parte do pixo [e mesmo seu sentido, quando deslocada do contexto natural, com sua agressiva função demarcatório-territorial original, sua codificação e tipologia características], e que se evite simultaneamente uma impressão ou saldo final de tons meramente demagógicos ou populistas, por parte da organização da Bienal? Resta aguardar o empenho da curadoria "em descobrir formas de tratar do assunto com integridade de ambas as partes, sem que instituição e pixadores cedam completamente ao universo da outra", nas palavras de Moacir dos Anjos. A sugestão de um meio-termo não é lá muito animadora.

3 comentários:

Ricardo Ramalho disse...

Deixa eu ver se entendi... A Bienal vai dar credenciais e livre acesso à turma que invadiu e vandalizou a Bienal anterior? Isto é uma imprudência sem tamanho. Vou ficar muito surpreso se esta turma não organizar um ataque magistral e de alto poder destrutivo. (a presença dos vândalos consagrados pode trazer problemas com empréstimo de obras de outros artistas). Quanto a considerarem o pixo como arte, é um equívoco que revela o estado da alienação da arte contemporânea sobre si própria, o pixo não é feito por artistas, e não é destinado à arte. Então pode entrar qualquer coisa nesta Bienal, publicidade de tv, capas de revista, posters de shows lambe-lambe, embalagem do mc´donalds, e tudo o que couber numa cidade.

Anônimo disse...

Pixação não é arte, esse entendimento é claro para eles (acompanho o desenrolar da historia bem proximo) o que esta em jogo nesse convite é a possibilidade de realizar, de transportar o discurso e as motivações que justificam a pixação a outros contextos. Não acretido que que a Bienal de artes , ou qualquer outro lugar não possam abrigar a pixação e os contextos sociais, politicos, economicos e etc que a mesma se origina, minha opinião é a de que o Museu, o espaço institucional, a galeria, o predio, a rua enfim tudo na cidade é cidade, e portanto lugar possivel para a pixação realizar-se.
Não mais produtivo tentar entender o que motiva a pixação, do que determinar se é ou não arte?

Ouço sempre quem diga e afirme a necessecidade de uma abertura da linguagem e da abrangencia da arte contemporanea, discussões nesse sentido não seriam somente um esforço para a manutenção desse sistema fechado, academicista.......

assim como esse texto tão rebuscado, do querido Guy

Anônimo disse...

belo texto para o Desclarecimento